Vovó do Belo, torcedora símbolo do Botafogo-PB relata suas experiências nas arquibancadas

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Dois anos antes do fim da segunda guerra mundial, em 1943, nascera, em meio ao frio, a cachoeiras e cachaças, uma doce menina. A mãe, Joseva Batista, sentira as dores do parto enquanto todos celebravam a independência do Brasil. Foi nesta festa cívica que veio ao mundo Maria José Macêdo, nascida na pacata cidade de Bananeiras-PB, um dos poucos municípios que desfruta do frio no estado onde o sol nasce primeiro.

Mas quem nasce em 7 de setembro tem espírito impetuoso, livre, independente. Aos 11 anos, Maria José resolvera ir embora de casa com uma prima. Queria morar na capital, João Pessoa. Ainda criança, começou a costurar roupas de boneca, brincadeira que se tornou sua profissão. Costurou por mais de 10 anos.

Um dia, conhecera um rapaz que lhe chamou a atenção. Apaixonou-se. O romance não durou muito, mas lhe deixou um fruto: a filha Jane. Em uma tarde de verão, Severina, uma de suas melhores amigas, a convidou para sair. Era sábado, o sol brilhava forte e Maria, que tinha o rosto rosado, os olhos castanhos e resolvera vestir uma roupa qualquer, arrumou os cabelos loiros, que mal lhe alcançavam os ombros, e foi.

O encontro, marcado em um campo de futebol, era um lugar pouco familiar. Ficou confusa, procurou outras mulheres no local, mas não havia. O público feminino resumia-se a ela e a Severina. A torcida também era fria, o que deixou Maria um pouco desapontada. Entretanto, o crepúsculo trazia um presságio de que, daquele dia em diante, ela nunca mais seria a mesma.

Aconteceu. Maria viu o Botafogo-PB. O Botafogo-PB se viu refletido no olhar de Maria e o que se passou naquele olhar foi um milagre, um milagre de amor. Porém, um coração cicatrizado não é fácil de conquistar, foram necessários mais quatro encontros para Maria se abrir ao sentimento que lhe batia à porta.  Sua vida mudou por completo. Trazia agora um sorriso recém-inventado, advindo do amor ao Botafogo-PB, que nunca mais a abandonou.

Um sentimento sem interesse. O time da capital paraibana sequer tinha uma casa digna para receber sua mais nova torcedora. Os encontros aconteciam onde hoje está um dos pontos turísticos de João Pessoa, o Espaço Cultural. O antigo Estádio Pedro Gondim existe apenas na lembrança de quem lá amou, como Maria.

Para ver o Botafogo-PB com frequência (pois quem ama não suporta saudade), Maria precisou superar muitos desafios. Necessitou principalmente de coragem para enfrentar seus medos. Um dia, teve que andar de escada rolante, uma ação que embora simples para muitos, se tratava do principal medo dessa mulher apaixonada. Mas, coragem e amor andam lado a lado. E se o sinônimo de amar é sofrer, Maria não está imune.

Seu coração ficou em pedaços quando viu, em 2018, o Botafogo-PB perder nos pênaltis para o xará paulista e não conseguir o acesso, que parecia tão palpável, para a série B. Quando voltou de Ribeirão Preto, completou-se quatro dias de viagem. Chegou em casa com a certeza de que faria tudo outra vez. Mas, chorar? Só de alegria. Aprendeu, na derrota, a segurar as lágrimas. Quando o coração entristece prefere se isolar, cala-se como se desaprendesse a falar.

Um amor tão intenso assim, não permite em nenhum momento que o Botafogo-PB fique sozinho, desamparado dos cuidados dela. Não saberá a última vez em que passou um fim de semana sem ver seu amado.  Quando os jogos acontecem em João Pessoa, faz uma pequena viagem para estar com o Botafogo-PB.

Veste a camisa, segura a bandeira e o radinho e, assim, cheia de ansiedade, espera o ônibus 601, que a leva à Integração. Lá, Maria sobe no 513, que a deixa no estádio Almeidão, sua segunda casa. Durante o jogo, sente como se estivesse vendo o Botafogo-PB pela primeira vez. O amor se renova, borbulha. Tem a impressão de que é uma menininha. Quando o time está perdendo, fica estressada e fala palavrões, o que chama a atenção dos demais torcedores. Quando o jogo acaba, é hora da separação. Na volta para casa, muitas vezes já madrugada, Maria tenta conseguir carona. Quando não é possível, pega o Bacurau, o último ônibus que circula em João Pessoa.

Esse amor em alguns momentos colocou sua vida em risco. Os fatos são narrados sem a precisão de datas, pois o tempo nem sempre colabora com a nossa memória.  Há alguns anos atrás, após a derrota do Botafogo-PB para o CRB-AL, o ônibus que a levou para Maceió foi apedrejado. Quis o destino que ela pegasse, na volta, uma carona de carro com um amigo, que a trouxe para a capital paraibana. Não tivera a mesma sorte aquele que sentou no lugar de Maria no ônibus, o homem foi alvejado por uma pedra, causando-lhe um corte que levou 15 pontos.

Certa noite, quando saiu do jogo entre Santa Cruz -PE e Botafogo-PB, viu o ônibus que a levara para Recife em chamas. Alguns torcedores da Cobra Coral atearam fogo no transporte que levou os torcedores do Belo.

Bala de borracha, Spray de pimenta, briga de torcida, tudo isso faz parte da história de Maria com o Botafogo-PB. Não tem medo. Apesar da idade, mostra disposição, pois a única coisa que lhe resta nestes momentos é correr segurando a mão daqueles que dizem: “Vó! Por aqui!”.

Quando está longe e a ausência mergulha o coração no poço de saudade, seu refúgio são os objetos que trazem à mente lembranças do amado. Maria sempre que vai aos jogos compra dois ingressos, um para utilizar e outro para sua coleção, além das 42 duas camisas que carregam a história desse amor épico.

Atender pelo nome de batismo, Maria José Macêdo, já não é algo natural. Hoje experimenta a sensação de ser apenas “Vovó do Belo”.  Uma mulher perpetuamente jovem, de cabelos brancos. Aos 75 anos, está com o Botafogo-PB há mais de 50. Em certas manhãs, ela tem a impressão de que foram apenas cinco semanas; em outras, cinco vidas bem vividas.

E assim, os dois – Maria e seu amado – são felizes desde sempre, e para sempre.